30.11.06

um dia de cão (ou eu piro, logo existo)


COMEÇOU COM UMA COÇEIRA

na ponta redonda da orelha

a orelha quente

quente

FERVENDO

seria alergia?

seria fofoca?

AQUELA PORCA ENTORTA

os pensamentos e os sentimentos

sem alegria

com juros

EU JURO QUE NÃO MINTO

que lido sem ter lido

sem sentido

sem a poesia

a alegoria do que não foi

não foi, voltou

volta sempre

E PASSA A SER UMA DOR DE DENTE

o louco é rouco

de tanta gritaria

grito abafado

o bafo é dos bons

UMA MANCHETE, MEIOS TONS

o jornal embrulha

o jorro do estômago embrulhado

o lixo entulha

o cheiro é de ralo

E RALOS SÃO OS INSPIROS DE PACIÊNCIA

que restam

que secam

no prato sujo em cima da pia

espia

a água infinda

a vida corrente

E ENFIA UM PUNHAL

na tolerância

na ciência

na religião

pelo sim e pelo não

DESTE PRANTO DESCOMUNAL

tão comum

e tão um.

passado, pelas 15:53 2 comentários

28.11.06


Eis que ouso um ruído.

Medo do que não sei.

Sei como ninguém.

Com todo o resto.

Senti só.

Sentir. Só.

Contudo. O resto.

Como ninguém sabe.

Medo do que. Não sei.

Pensei imediatamente: é ET.

passado, pelas 22:44 0 comentários

26.11.06

o décimo quinto "" do ano

porque ele nunca estava. mas foi necessário, depois de um tempo, alguma atitude. não de antônio, que estava feliz como estava, como manda a ironia. rosana, no entanto, ficava triste, mas não de tristeza; roxa de raiva da tristeza alheia, que incomodava os olhos e os ouvidos.

antônio chorava, antônio bufava, antônio suspirava e era essa sua única função, tendo em vista que as outras o chateavam, bastam as aflições da vida. naquele escritório, ainda que não pela vontade deliberada do chefe, antônio era pago para ser triste, sem descontos de salário.

e existem os dias, esses poucos, apesar de qualquer tristeza ser muita, sendo só a felicidade suficiente e nada realmente extremamente extraordinário, em que antônio se afoga na tristeza de uma forma que o esnórquel entope e ele fica sem ar, demorando semanas para voltar à superfície.

nesses, rosana usava um sistema triste, de patético, mas que para ela fazia sentido. era preciso mostrar para antônio que ele estava triste. era um dedo apontando na cara dele e falando renda-se, você é culpado, e ele, se borrando de medo do dedo, se acusava, sim eu sou. por estranha que fosse, era a artimanha de rosana para antônio voltar à tristeza cotidiana, aquela que já não-fede-nem-cheira. tristezinha boba, toma um cafezinho que passa, essa tudo bem. essa, tudo ótimo.

o problema era que, quando ele ia se afogando, ele cuspia um rio de tristeza que corria tão forte que alcançava a todos, e era preciso barrar. 'antônio não está feliz', dizia o cartaz feito às pressas no computador colado pela décima quarta ver em cima da porta da entrada do escritório. as pessoas entravam, já acostumadas, e lançavam olhares para antônio, era esse o combinado. rosana chegava antes e antecedia mesmo antônio e, de guarda, avisava a todos que se preparassem, era um dia daqueles.

não souberam, desta vez, porque a tristeza de antônio estava em ebulição neste dia. mas há testemunhos que afirmam que outras foram por amor, por dinheiro, por saúde ou por uma tristeza assim que vai doendo aos poucos, mas vai englobando as células e depois já está tomado por uma profundeza de fumaça, metástase das tristezas.

neste dia, antônio saiu, voltou para casa, dormiu - tudo muito tristemente -, acordou, tomou café da manhã (não gostou), se vestiu e voltou para a caverna em que trabalhava. neste dia, sem mais querer tristeza e sem esperança de alegria, antônio não quis mais sofrer.

rosana se sentiu culpada pela morte, mas nem era, coitada. tava na hora da tristeza acabar, contrariando vontades, crenças e a música popular brasileira.

passado, pelas 20:07 2 comentários

25.11.06

filmografia


de fato,

nada do que quero é documentado,
por isso invento.
o romance entre eu e a ficção,
essa absurda,
ainda me põe nas manchetes,
trágica ou erroneamente.


***


um mocinho
é pequeno demais
pra caber nesse poema.
e já que não encaixa,
vou guardar lugar
pra quando for grandinho
o que escrevo.

passado, pelas 01:47 3 comentários

21.11.06


é a prova, é a escola

é o grito, é o livro

é o sono

o sonho

o cigarro

a fumaça


é o canto das cigarras

é o ranger dos dentes à mordaça

é a multidão

é a solidão

o elevador cheio

a dor no peito

a saudade

a idade

é a sinusite

é a mesmice

é a vontade

a espera

a quimera


é o medo

é o zelo

o selo

a viagem

o daime

é o parangolé nos sapatos

é o bundalelê na chuva

é o canto do pneu molhado

é a consulta

o trânsito

o tântrico


que não tem fim.

e ainda me diz que o tempo não pára?


vamos, olhe pra mim

repita na minha cara.

passado, pelas 11:49 1 comentários

16.11.06



Eu disse e parece que você não entendeu. Parece que não entende nada.

Não acho. Não digo.
Pensa que é assim as coisas. Tá pensando em nem sei o quê.
Não. Não e não.
Entendo é mais nada. Parece que é louco.
Não digo. Não acho.
É assim mesmo. Faz é tempo que eu sei que é assim mesmo.
Não e pronto. Não.
Ainda tem mais. Pensa que é assim fácil?

Propólis em solução hidroalcoólica

passado, pelas 20:05 2 comentários

No bucho, um aquário de reticências.


Você me pergunta:

Pra quê tanta aventura?

Porquê, porquê eu quero

um filme surrealista?


Eu quero.

E ponto.


Ponto não, reticências, vírgula.

Asteriscos, aspas, parênteses.

Um novo alfabeto, parente

do Cirílico.

Não ligo.


Ligo para o psiquiatra, só há data

para um mês.

Neste mundo só tem vez

a loucura.

Desligo.


Você liga.
Acha que tenho cura.

Você não pergunta, determina

que eu preste atenção,

que esta não é a estética.

Eu, antes autista que sem consideração,

leio em uma revista,

de estética piauiense,

que o signo de aquário não existe.


Não insista, não pense, não hesite.


Nunca existiu,

estávamos errados desde os maias.

Aquário, essa mala sem alça

Essa alça sem mala.

Mas eu não quero existir,

quero sentir, sentir com os poros

entre os destroços da imaginação.


Salvador Dali, tenha misericórdia

dos que estão aqui.


E se misericórdia é sentir com as tripas,

vamos cozinhar uma buchada.

Pois já diria Seu Nelson,

O que não é belo é um bucho.

E eu, eu ainda digo que estou cheia de gazes.


Que este afã das palavras vãs

queima o bucho, as tripas, a mente

a mente que nunca teve a pretensão de ser sã.


A mente frita e engordura os ares.

passado, pelas 10:07 3 comentários

13.11.06

As intermitências do marrom


Hoje, meu bem,

é um dia marrom.

Daquele marrom que não é

bem cor,

que não acalma, nem agita.


Hoje pinta

a atmosfera

um canto sem som.


Canto mudo,

em todo canto marrom,

Em todo tanto, um tanto dor.


Mas é uma dor de

tinta guache,

permita

que eu revele.


Que eu não eleve,

Este quadro pardo sobre a água.

Que no fim,

no meio do deserto

É ela,

e não outra.

Que salva, que lava.

A cara-ameixa,

este limite do tapa, do tempo.

Da técnica do sofrimento

e suas pinceladas-rugas


Porque nesta cidade seca,

meu bem,

É preciso aproveitar bem

a chuva.


Hoje, a chuva é

ETERNA.

E o marrom derrete.

Hoje tudo é turvo e é inerte.


Mas amanhã, ah meu bem, amanhã.

Não háverá manhã.

A única certeza é a seca

e este horizonte que,

não obstante,

se confunde com a terra.



Café coado, fraco, marrom

passado, pelas 06:03 5 comentários

8.11.06



Cigarras.

Cigarras.
Cigarras.
Cigarras.
Cigarras.
Cigarras.
Cigarras.
Cigarras.
Cigarras.
Cigarros.

Fanta-uva com Inseticida

passado, pelas 06:29 5 comentários

3.11.06

Indícios

corrupta com requintes me deixa o teu amor.
[ana cristina cesar]


Contam que naquela cama, um dia, cometi um crime.

Há muito corrupta, não pude perceber a impureza do fato. Com requintes de puta me condenaram: choquei todos os ovos enquanto fritava os meus. O falo que nunca tive me foi tomado e no lugar colocaram desafeto. Desafeto gratuito quando nada pedi além de engano.

Os indícios foram duas línguas cruzadas e humores impossíveis de estancar. O delatante foi quem sabe o mesmo que me ouviu gritar. E de dia vestiu a carapuça da valentia e esqueceu das pratas e agonias.

O que aqui se faz é pago em outro lugar. As cortinas têm listras e, temendo reincidência, durmo na única cadeira da cela. Ela é o centro da minha espera. A de um dia ser desejo além do segundo que dura qualquer gozo.

passado, pelas 21:24 5 comentários

Links

Arquivo

Powered by Blogger