25.1.08

O espírito de porco do poeta


Hoje não rimo, hoje não minto. Eu faço poesia barata, sim senhora. Poema de botequim, de uma noite de insônia, de um sonho com a babilônia, de um sono sem fim.
Eu faço poema barato (não negarei os fatos) porque eu tenho preguiça de tecer sentença inteira. Gosto de fuxico mais que de seda. Pra ser verdadeira, no íntimo, tenho preguiça até de escrever certo e, tampouco nego, tenho preguiça mortal de escrever com sentido. Que da cruz, eu seja o prego: a vida, meu deus, ás vezes não faz sentido. O sentido, por sua vez, não deveria ser crucial.
Jaz aqui uma monografia, jaz aqui um romance, jaz aqui uma crônica. Minha poesia não é grife, é instante: o gozo, o choro, a cabeça anacrônica.


...ele permaneceu durante toda a vida uma criança

ou um adolescente e ficou retido no estágio
onde começou a expressar sua vocação artística;
ora, os sentimentos próprios das primeiras fases
estão, como geralmente se admite, mais
próximos daqueles de períodos passados do que
daqueles do século presente. De bom ou mal
grado, terá a missão de tornar a humanidade
criança; é sua glória e seu limite

Da alma dos artistas e escritores,
Nietzche

Um dia senhor, eu vou escrever roteiro de cinema, romance publicado, tese artístico-pedagógica. Reportar-me-ei à métrica , reportar-me-ei à lógica. Um dia, eu vou prender meu cavalo no celeiro. Ter mais cuidado e mais treino e menos problema.
Comer salada, correr na praia, subir escada: dia sim, dia não. Encher a cara, comer buchada, fumar na sacada: dia sim, dia não. Mais dia menos dia, eu avanço o ritmo, eu alcanço o equilíbrio, fico com um pé cá e um pé lá. Mas repito que eu vivo só por hoje. E hoje eu lhe digo: não rimo e não minto.
Hoje faço um conto ou texto qualquer que seja mais prosa. Hoje meu cavalo só trota: não trombo nas idiossincrasias, não engulo as vírgulas, não atropelo o português, não cruzo sogra com pequinês.
Hoje, sobretudo, não apelo. Não invento palavras e não pego palavras no fundo do baú. Hoje, nem em pensamento, mando alguém tomar no cu.


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17.1.08

Ao atravessar uma rua de Santa Tereza

É estreita-íngrime-escura
quando antes se espreita
quando depois se reprime
quanto mais obscura

Dá vontade de parar
e voltar
mas já é tarde
Cobrar ou perdoar

à parte

não mata, mas arde


O tempo não perdoa
O tempo passa
e a gente se amassa
seja pela chuva seja pela garoa


seja por
debater-se nos muros
e nas pedras
seja por
deter-se nos furos
e nas quimeras


Do lado de lá
faça chuva ou faça sol
você nâo estará

Mas se em 2012 tudo acabar
e tudo for muito mais infernal

não me leve a mal

nem aí eu mordo denovo seu anzol

Porque se é pra me enrabar
que seja olhando nos meus olhos
e com aviso prévio

Não tem novena
não tem mistério
Eu pouco rogo
e você pouco inventa

Eu sigo porque respiro
Do lado de lá eu chego

com um pouco mais de cabelo
depois de ter engolido
alguns sapos
depois de ter criado
alguns calos


Chega pra lá
eu vou saltar
no próximo ponto
eu posso me atrasar mas
eu atravesso o desencanto

Ao chegar lá
valem mais dois pulmões
que dois corações
valem menos duas caras
que tomar uma gelada
ou pregar os botões

vale mais gol de cabeçada
que prorrogação de opiniões

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9.1.08

Ao dourar merda, obtém-se adubo

Caso ande pisando em merda
pelas ruas
caso ande cheirando merda
até em casa
caso, até, esteja atolado de merda até
o pescoço

não mexa que quanto mais mexe
mais fede, mas
não deixe de sentir
dos pés à nuca,
feche, sem trancar,
o seu corpo
engane o ventre solto
com maçã

deixe de lado a cabeça,
que é só caçapa
é só o buraco da maçaneta
ainda não é a porta e, não raro,
está emperrada
diz-me: anda espionando o quê?

e ele anda comendo o quê?

se falta caviar, vai de ostras
prenda o ar
que merda quando muito se doura
é certeza do adubo

entulho nem sempre é o que estraga.

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2.1.08

À beira dos 30, perdeu pela 1ª vez as chaves de casa. Sóbria. Embriagada, perdeu a vergonha e enfiou o pé na jaca. Por nada. Acordada, sonhou correspondências sabidamente vãs. No turno escuro, teve carinhos e carícias, subiu nos cascos e deu coices delicados, afagou cabelos e trançou dedos, estabeleceu diálogos que de tão pares poderiam ser monólogos e sentiu a força incrível de ser só. Com a matemática, viveu um susto sem tamanho que durou o tempo de atropelar a covardia. Voltou a usar listras, se ligou do quanto fazia listas e sacou que suportar a doença era a maior prova da sua saúde. Resolveu arriscar um vício, fez um almoço colorido e dormiu sem querer até mais tarde.

passado, pelas 11:58 2 comentários

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