27.6.06

vapores


gosto das suas camisas de botão

e pinto as unhas de rubro

pra ficar bonita a combinação

como se o sangue do seu peito

passasse pras minhas mãos

pra eu te manchar todo

de boca-baton imaginário


deitada, não vejo as suas pernas

por perto

mas sei que estão ao lado

das minhas coxas cobertas

no limite da cama

é ainda seu corpo longo

que me arrasta aventura adentro

para o centro da tarde

onde estamos nus:

eu e a sua imagem


é o gosto de acordar

ouvindo sussurros daquela poesia

ainda tépido você fala

que um dia fará tudo igual

com exceção de cortar os pulsos

que isso não é jeito de se matar

mas que garante os pássaros

rios pêssegos seios e cigarros

além da prova cabal

dos líquidos vertidos sorvidos

no lençol de linho antigo

que roubamos de outro varal


na hora de ler o jornal

sei que você vai rir

e dizer que naquela manhã

estarei propensa a calor humano

um pouco irritada em caso de engano

e especialmente doce ao sul

para provar outra vez

a incerteza de sua astrologia

volto do banho vestida

e preparo um café amargo

te chamo pra dançar comigo

quero pisar nos seus pés

fazer passos de tango

com colher no lugar de rosa

te beijar sabendo a menta

mentir que sempre fui santa

enquanto você descose a saia

e trança a porta da sala

pra vazar por janela aberta

o que há de suspenso e tenso

nos vapores da nossa erupção.

passado, pelas 15:45 6 comentários

18.6.06

A Universitariazinha

Esperavam o mesmo ônibus. Ele descobriu porque perguntou se já havia passado e ela disse que "tô aqui há um tempão e nada. Oito minutos!"

"A ansiedade é uma coisa terrível", ele provocou.
"Seria, se eu não tivesse o que fazer em casa. Tenho uma prova amanhã cedo e não estudei nada."

Ele não tinha o que fazer. Aliás, não sabia o que fazer. Por acidente, caminhara no parque. Sentira um prazer familiar, como se fosse habitual algo que ele experimentava pela primeira vez. Agora ia pra casa e...

"Você é muito divertida."
"Na faculdade é o que todos me dizem."
"Estuda o quê?"
" ... o ônibus!"

Quantos negócios não fechados, filosofias inconclusas, piadas sem riso, e tudo isso pela prosaica partida de alguém cujo ônibus esperado chega sem aviso. Aqueles dois não esperassem o mesmo ônibus e uma crônica de viagem deixaria de ser escrita. Sentaram-se juntos, ele primeiro.

"Relações públicas. Faço Relações Públicas."

E convidou-o pro coquetel de lançamento de seu produto: um advogado de renome que ele supunha péssimo. Iria ao coquetel. Ela falava levemente, como duma partida de vôlei na escola.

"Do que mais você gosta?", ele quis saber.
"De dormir. E de arte", arriscou. "Salvador Dalí"

Pintor espanhol do surrealismo. Era a nota de rodapé que ele tinha do artista. Por que artes plásticas? Fortunas por uma tela e tantos poemas sem publicar. Só pensou.

"Fiz quatro anos de piano", ela respondeu ao silêncio.
"E livros?"
"Desde que entrei na faculdade, só os técnicos."
"Vai gostar do García Márquez, mas não começa por Cem Anos de Solidão. A gente sempre desiste da primeira vez."
"Já desisti", ela confessou.

A bela adormecida do avião. Era ela! Precisava que ela lesse o conto.

"Começa por Doze Contos Peregrinos", ele introduziu o assunto.
"Lá tem um conto..."
"Oi!"

Ela encontrara um amigo. Ex-colega de faculdade, conforme ele apurou ouvindo a conversa. Pensou em não descer do ônibus.Já em casa, só, releu o conto do Garcia Márquez e lamentou que a beleza e a viagem (da universitariazinha e do ônibus) não fossem tão grandes como as da bela e do avião.

passado, pelas 09:56 4 comentários

3.6.06

quântica

não era sonho
nem dia
um tempo outro
que pulava
dos relógios
como gatos
da janela

da gaiola particular
um assovio
pio
tinha jeito de hino
o que nunca soube
pois eram duras
as rimas

ouvi ali
que, sim
era hora de acordar:
a ópera moderna
deu de delirar
mais cedo
aquela vez

foi quando
o corpo
de moça feita
- cabelo vinho
e olhos d´água -
deitou do lado
e disse-que-rindo:
inventa asas
(voa)
que essa vida
é queda livre.

passado, pelas 23:52 9 comentários

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