26.11.06

o décimo quinto "" do ano

porque ele nunca estava. mas foi necessário, depois de um tempo, alguma atitude. não de antônio, que estava feliz como estava, como manda a ironia. rosana, no entanto, ficava triste, mas não de tristeza; roxa de raiva da tristeza alheia, que incomodava os olhos e os ouvidos.

antônio chorava, antônio bufava, antônio suspirava e era essa sua única função, tendo em vista que as outras o chateavam, bastam as aflições da vida. naquele escritório, ainda que não pela vontade deliberada do chefe, antônio era pago para ser triste, sem descontos de salário.

e existem os dias, esses poucos, apesar de qualquer tristeza ser muita, sendo só a felicidade suficiente e nada realmente extremamente extraordinário, em que antônio se afoga na tristeza de uma forma que o esnórquel entope e ele fica sem ar, demorando semanas para voltar à superfície.

nesses, rosana usava um sistema triste, de patético, mas que para ela fazia sentido. era preciso mostrar para antônio que ele estava triste. era um dedo apontando na cara dele e falando renda-se, você é culpado, e ele, se borrando de medo do dedo, se acusava, sim eu sou. por estranha que fosse, era a artimanha de rosana para antônio voltar à tristeza cotidiana, aquela que já não-fede-nem-cheira. tristezinha boba, toma um cafezinho que passa, essa tudo bem. essa, tudo ótimo.

o problema era que, quando ele ia se afogando, ele cuspia um rio de tristeza que corria tão forte que alcançava a todos, e era preciso barrar. 'antônio não está feliz', dizia o cartaz feito às pressas no computador colado pela décima quarta ver em cima da porta da entrada do escritório. as pessoas entravam, já acostumadas, e lançavam olhares para antônio, era esse o combinado. rosana chegava antes e antecedia mesmo antônio e, de guarda, avisava a todos que se preparassem, era um dia daqueles.

não souberam, desta vez, porque a tristeza de antônio estava em ebulição neste dia. mas há testemunhos que afirmam que outras foram por amor, por dinheiro, por saúde ou por uma tristeza assim que vai doendo aos poucos, mas vai englobando as células e depois já está tomado por uma profundeza de fumaça, metástase das tristezas.

neste dia, antônio saiu, voltou para casa, dormiu - tudo muito tristemente -, acordou, tomou café da manhã (não gostou), se vestiu e voltou para a caverna em que trabalhava. neste dia, sem mais querer tristeza e sem esperança de alegria, antônio não quis mais sofrer.

rosana se sentiu culpada pela morte, mas nem era, coitada. tava na hora da tristeza acabar, contrariando vontades, crenças e a música popular brasileira.

passado, pelas 20:07

2 Comments:

At novembro 27, 2006 5:47 AM, Anonymous Anônimo disse...

Antônio, o conselheiro.

 
At novembro 30, 2006 3:37 PM, Anonymous Anônimo disse...

Tocaia de animal que acompanha a sua presa
Escravo da sua belezA
DAQUI A POUCO O DIA VAI QUERER RAIAR...

... e drácula, com os poderes, assim, debilitados.

 

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