um dia de cão (ou eu piro, logo existo)
COMEÇOU COM UMA COÇEIRA
na ponta redonda da orelha
a orelha quente
quente
FERVENDO
seria alergia?
seria fofoca?
AQUELA PORCA ENTORTA
os pensamentos e os sentimentos
sem alegria
com juros
EU JURO QUE NÃO MINTO
que lido sem ter lido
sem sentido
sem a poesia
a alegoria do que não foi
não foi, voltou
volta sempre
E PASSA A SER UMA DOR DE DENTE
o louco é rouco
de tanta gritaria
grito abafado
o bafo é dos bons
UMA MANCHETE, MEIOS TONS
o jornal embrulha
o jorro do estômago embrulhado
o lixo entulha
o cheiro é de ralo
E RALOS SÃO OS INSPIROS DE PACIÊNCIA
que restam
que secam
no prato sujo em cima da pia
espia
a água infinda
a vida corrente
E ENFIA UM PUNHAL
na tolerância
na ciência
na religião
pelo sim e pelo não
DESTE PRANTO DESCOMUNAL
tão comum
e tão um.
passado, pelas 15:53
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Eis que ouso um ruído.
Medo do que não sei.
Sei como ninguém.
Com todo o resto.
Senti só.
Sentir. Só.
Contudo. O resto.
Como ninguém sabe.
Medo do que. Não sei.
Pensei imediatamente: é ET.
passado, pelas 22:44
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o décimo quinto "
" do anoporque ele nunca estava. mas foi necessário, depois de um tempo, alguma atitude. não de antônio, que estava feliz como estava, como manda a ironia. rosana, no entanto, ficava triste, mas não de tristeza; roxa de raiva da tristeza alheia, que incomodava os olhos e os ouvidos.
antônio chorava, antônio bufava, antônio suspirava e era essa sua única função, tendo em vista que as outras o chateavam, bastam as aflições da vida. naquele escritório, ainda que não pela vontade deliberada do chefe, antônio era pago para ser triste, sem descontos de salário.
e existem os dias, esses poucos, apesar de qualquer tristeza ser muita, sendo só a felicidade suficiente e nada realmente extremamente extraordinário, em que antônio se afoga na tristeza de uma forma que o esnórquel entope e ele fica sem ar, demorando semanas para voltar à superfície.
nesses, rosana usava um sistema triste, de patético, mas que para ela fazia sentido. era preciso mostrar para antônio que ele estava triste. era um dedo apontando na cara dele e falando renda-se, você é culpado, e ele, se borrando de medo do dedo, se acusava, sim eu sou. por estranha que fosse, era a artimanha de rosana para antônio voltar à tristeza cotidiana, aquela que já não-fede-nem-cheira. tristezinha boba, toma um cafezinho que passa, essa tudo bem. essa, tudo ótimo.
o problema era que, quando ele ia se afogando, ele cuspia um rio de tristeza que corria tão forte que alcançava a todos, e era preciso barrar. 'antônio não está feliz', dizia o cartaz feito às pressas no computador colado pela décima quarta ver em cima da porta da entrada do escritório. as pessoas entravam, já acostumadas, e lançavam olhares para antônio, era esse o combinado. rosana chegava antes e antecedia mesmo antônio e, de guarda, avisava a todos que se preparassem, era um dia daqueles.
não souberam, desta vez, porque a tristeza de antônio estava em ebulição neste dia. mas há testemunhos que afirmam que outras foram por amor, por dinheiro, por saúde ou por uma tristeza assim que vai doendo aos poucos, mas vai englobando as células e depois já está tomado por uma profundeza de fumaça, metástase das tristezas.
neste dia, antônio saiu, voltou para casa, dormiu - tudo muito tristemente -, acordou, tomou café da manhã (não gostou), se vestiu e voltou para a caverna em que trabalhava. neste dia, sem mais querer tristeza e sem esperança de alegria, antônio não quis mais sofrer.
rosana se sentiu culpada pela morte, mas nem era, coitada. tava na hora da tristeza acabar, contrariando vontades, crenças e a música popular brasileira.
passado, pelas 20:07
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filmografia
de fato,nada do que quero é documentado,por isso invento.o romance entre eu e a ficção,essa absurda,ainda me põe nas manchetes,trágica ou erroneamente.***um mocinhoé pequeno demaispra caber nesse poema.e já que não encaixa,vou guardar lugarpra quando for grandinhoo que escrevo.
passado, pelas 01:47
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é a prova, é a escola
é o grito, é o livro
é o sono
o sonho
o cigarro
a fumaça
é o canto das cigarras
é o ranger dos dentes à mordaça
é a multidão
é a solidão
o elevador cheio
a dor no peito
a saudade
a idade
é a sinusite
é a mesmice
é a vontade
a espera
a quimera
é o medo
é o zelo
o selo
a viagem
o daime
é o parangolé nos sapatos
é o bundalelê na chuva
é o canto do pneu molhado
é a consulta
o trânsito
o tântrico
que não tem fim.
e ainda me diz que o tempo não pára?
vamos, olhe pra mim
repita na minha cara.
passado, pelas 11:49
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Eu disse e parece que você não entendeu. Parece que não entende nada.Não acho. Não digo.Pensa que é assim as coisas. Tá pensando em nem sei o quê.Não. Não e não.Entendo é mais nada. Parece que é louco.Não digo. Não acho. É assim mesmo. Faz é tempo que eu sei que é assim mesmo.
Não e pronto. Não.Ainda tem mais. Pensa que é assim fácil?
Propólis em solução hidroalcoólica
passado, pelas 20:05
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No bucho, um aquário de reticências.
Você me pergunta:
Pra quê tanta aventura?
Porquê, porquê eu quero
um filme surrealista?
Eu quero.
E ponto.
Ponto não, reticências, vírgula.
Asteriscos, aspas, parênteses.
Um novo alfabeto, parente
do Cirílico.
Não ligo.
Ligo para o psiquiatra, só há data
para um mês.
Neste mundo só tem vez
a loucura.
Desligo.
Você liga.
Acha que tenho cura.Você não pergunta, determina
que eu preste atenção,
que esta não é a estética.
Eu, antes autista que sem consideração,
leio em uma revista,
de estética piauiense,
que o signo de aquário não existe.
Não insista, não pense, não hesite.
Nunca existiu,
estávamos errados desde os maias.
Aquário, essa mala sem alça
Essa alça sem mala.
Mas eu não quero existir,
quero sentir, sentir com os poros
entre os destroços da imaginação.
Salvador Dali, tenha misericórdia
dos que estão aqui.
E se misericórdia é sentir com as tripas,
vamos cozinhar uma buchada.
Pois já diria Seu Nelson,
O que não é belo é um bucho.
E eu, eu ainda digo que estou cheia de gazes.
Que este afã das palavras vãs
queima o bucho, as tripas, a mente
a mente que nunca teve a pretensão de ser sã.
A mente frita e engordura os ares.
passado, pelas 10:07
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As intermitências do marrom
Hoje, meu bem,
é um dia marrom.
Daquele marrom que não é
bem cor,
que não acalma, nem agita.
Hoje pinta
a atmosfera
um canto sem som.
Canto mudo,
em todo canto marrom,
Em todo tanto, um tanto dor.
Mas é uma dor de
tinta guache,
permita
que eu revele.
Que eu não eleve,
Este quadro pardo sobre a água.
Que no fim,
no meio do deserto
É ela,
e não outra.
Que salva, que lava.
A cara-ameixa,
este limite do tapa, do tempo.
Da técnica do sofrimento
e suas pinceladas-rugas
Porque nesta cidade seca,
meu bem,
É preciso aproveitar bem
a chuva.
Hoje, a chuva é
ETERNA.
E o marrom derrete.
Hoje tudo é turvo e é inerte.
Mas amanhã, ah meu bem, amanhã.
Não háverá manhã.
A única certeza é a seca
e este horizonte que,
não obstante,
se confunde com a terra.
Café coado, fraco, marrom
passado, pelas 06:03
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Cigarras.Cigarras.Cigarras.Cigarras.Cigarras.Cigarras.Cigarras.Cigarras.Cigarras.Cigarros.
Fanta-uva com Inseticida
passado, pelas 06:29
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Indícioscorrupta com requintes me deixa o teu amor.
[ana cristina cesar]
Contam que naquela cama, um dia, cometi um crime.
Há muito corrupta, não pude perceber a impureza do fato. Com requintes de puta me condenaram: choquei todos os ovos enquanto fritava os meus. O falo que nunca tive me foi tomado e no lugar colocaram desafeto. Desafeto gratuito quando nada pedi além de engano.
Os indícios foram duas línguas cruzadas e humores impossíveis de estancar. O delatante foi quem sabe o mesmo que me ouviu gritar. E de dia vestiu a carapuça da valentia e esqueceu das pratas e agonias.
O que aqui se faz é pago em outro lugar. As cortinas têm listras e, temendo reincidência, durmo na única cadeira da cela. Ela é o centro da minha espera. A de um dia ser desejo além do segundo que dura qualquer gozo.
passado, pelas 21:24
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