Só daria a bunda depois de casar. E para o marido. Achava que deveria ter algo de virgem para oferecer e não restava muito. Entraria de branco, sim, mas de costas na igreja. "Pode beijar a noiva" seguido de um beijo romântico na nuca. Entraria no quarto e deitaria de bruços. Por mais louca que fosse, era santa. Era uma santa.
Quando as tias vieram visitá-la, tudo tinha que estar impecável. As cadelas farejadoras não deixariam passar um pó que fosse, ainda que de sujeira. Limpou, lustrou, areou. Montou o presépio com simetria e organização, vacas prum lado, ovelhas pro outro. Fitou a ovelha pretinha e se imaginou deitada ali. Sabia que era brega, odiava natal, mas fazer o quê?, achava presépios bonitinhos, um resquício de pureza ou pura culpa católica.
Precisava esconder a maconha. Sabia que uma a distrairia enquanto a outra, com fuça de são bernardo, abriria todas as gavetas em busca de indícios em cada recôndito do seu quarto-e-sala. Se achassem a maconha, estaria morta. De repente, teve uma idéia. Quanto mais óbvio o esconderijo, menos evidente. Precisava continuar a boa moça para receber a mesada em dia depois do relatório das velhas para os pais. Chegaram, comeram, bisbilhotaram. Sem achar nada, elogiaram o presépio e tudo ia bem até uma delas notar que Maria era ligeiramente diferente. A tia não falou nada, mas ficou intrigada.
No dia anterior, numa passeata pró-direito-ao-aborto, distribuía garrafinhas de água lilases na rua, em frente à igreja (longe da paróquia das tias, evidentemente). As beatas que saíam berravam ensandecidas, quase em línguas, condenando a heresia daquelas mulheres menores, nojentas e, claro, lésbicas, sempre são lésbicas as moderninhas. Para irritá-las, ela grita que se Maria tivesse tido opção, estaria livre das carolas pelo menos no Natal. Imaginou Maria a caminho de uma clínica de aborto e José sem acreditar nessa história de Espírito Santo, vai ter que tirar, você disse que era virgem etc.
Chega em casa feliz e com ódio. Simbolicamente, destrói as beatas, parentes ou não, jogando a peça materna de gesso do presépio no chão. Limpa o a sujeira, vai no armário e pega um anjo de biscuit que ganhara no ano passado, quebra-lhe as asas e põe no lugar da Madona.
As tias vão embora sem provas de má conduta e ela lembra da Madona, acrescenta um "n" mentalmente e começa a dançar. Precisava fumar um. Vai até o presépio, pega um pouco da grama - ri da ingenuidade das tias - e um papel de seda. Deita no quarto e se deseja um feliz natal.
passado, pelas 17:47
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