A demissão do amor livre
- Agradeço seu cuidado, amor livre, em dar-nos um aviso prévio de sua demissão. Os outros amores que prestaram serviços, foram embora sem mesmo dizer adeus.
- Muita indelicadeza.
- É, é um problema recorrente nesta área. Você sabe, não há regulamentação para as relações amorosas. São relações regidas apenas pelo acordo verbal, enquanto há um acordo e se consegue verbalizá-lo.
- Quando há o primeiro desacordo...
- Não há palavras. Não há palavras que convertam um amor desgarrado.
- Muita inflexibilidade.
- Realmente, os amores deveriam ser mais flexíveis. Se não aprenderem a ceder, não vão parar em canto algum. Pairarão entre a miséria e a esbórnia, para sempre.
- Nada é para sempre.
- Não, nada é.
- Eu posso até indicar alguém para ficar no meu lugar, se for de alguma serventia.
- Muito gentil de sua parte, amor livre, mas você realmente é um amor insubstituível.
- Ó, mas o que é isso.
- Falo a verdade. Cheguei mesmo a acreditar que você ficaria por muito tempo conosco. Cheguei a pensar que, um dia, você presidiria a nossa companhia.
- Ora, eu? Imagina, é muita responsabilidade.
- Ah, meu amado, tudo tem um preço.
- Tudo não. Sem querer ofender, mas a liberdade é impagável.
- E insustentável. Aqui, conosco, o seu amor será bem-remunerado. Mas lá fora, na vida a fora, ninguém pagará um níquel por todo o seu amor.
- Eu serei amado de volta, em retribuição.
- Hahaha. E desde quando amor enche barriga, meu querido?
- Enche os olhos, de lágrimas doces. E as veias, de sangue quente.
- E a boca, de vermes sujos.
- Não, de saliva divina.
- Além de tudo, você acredita em Deus?
- Acredito no amor divino.
- Ué, esse nunca passou por aqui...
- Ele não passa, ele está.
- Está à paisana, só pode ser. Talvez seja ele o articulador desta diáspora sem fim...
- Enfim, adeus.
- Peraí, peraí. Não quer, pelo menos, receber suas horas extras?
- Você não poderia pagar por elas.
Café Amargo
passado, pelas 01:25
6 Comments:
fuderoso.
adorei o texto.
é criativo.
leve.
lindo.
e sim.
a liberdade e o amor [?] são impagáveis.
mas, sobretudo, insustentáveis.
vamos abrir uma filial para o amor livre.
mas, claro, sem fins lucrativos.
Livre:
É nisso que acaba, há sempre dificuldades contratuais e a quebra de contrato é sempre uma dor de cabeça, isso sem falar nas multas.
Adorei o texto!
Seria uma saída Estatizar??
Retirar da "mão-invisível" do mercado a delimitação de valores das trocas sem-ti-mentais. O Estado decretará a instituição de uma repartição que estipulará as cotações de cada insumo: afeto, ouvidos, massagens, gozo... e até sorrisos.
Tudo às custas de um pequeno aumento na tributação.
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