A DOIDA E O GATO
A DOIDA morava em um trailer. De todas as posses que teve na vida (e dizem que teve muitas, quando ainda não rasgava dinheiro); aquele trailer carcomido, enlameado, fodido era a última coisa que possuía.
O automóvel, algumas panelas e alguns trapos eram tudo o que deixaria para os seus herdeiros.
Era fato, porém, que o mais próximo que teria de um herdeiro seria seu gato.
O GATO era seu único companheiro. Não era exatamente um companheiro fiel, porque volta e meia pegava suas botas e afastava-se léguas, voltando sempre tarde, com uma vida a menos e um bafo insuportável de cachaça.
Ela, por sua vez, era um poço de fidelidade, embora o fosse antes por falta de opção que por excesso de afeição.
Acontece que no dia
Pois era a mais pura verdade que A DOIDA ESTAVA MORRENDO PELA BOCA. Dizem que no começo ela engolia seco. Depois passou a engolir sapos, sapos bem vivos e bem gordos. Daí passou a engolir qualquer desculpa, qualquer oferta, qualquer pedra sem tempero mesmo. ENGOLIA A PORRA TODA.
Ele, um gato das ruas, sempre sentiu-se atraído por tipos birutas. Não se dava com os da sua espécie, viera homem por vezes demais neste mundo e ninguém, NEM DEUS CONVENCERIA O GATO A VIVER COMO UM BICHO. Fazia questão de tomar banho na chuva ou em um laguinho, e só usava a língua para lamber cachaça no chão dos bares. Gostava mesmo era de cachaça, apesar de render-se à cerveja também, quando era o que tinha.
Ainda era, assumidamente, um errante. Mas sabia que viera gato nesta vida para LEMBRAR DE TODAS AS OUTRAS VIDAS QUE TIVERA E SÓ CONSEGUIR MORRER NA OITAVA TENTATIVA. Viera gato para viver com o remorso, a culpa, a memória implacável e inadiável.
O GATO já conhecia a doida. Já entrara sorrateiro em sua casa, VASCULHANDO SUAS COISAS, SUA VIDA E SUA DISPENSA. Em uma manhã mais ensolarada, chegou a pegar (despercebido) uma carona com ela em seu carro zero, com ar-condicionado. À PRIORI ACHOU QUE A VIDA DA DOIDA ERA MUITO BOA. Então, observou-a falando sozinha e, na seqüência, batendo o carro. QUANDO A DOIDA SAIU DO CARRO, ESTAVA POSSESSA. Por um minuto, O GATO ACREDITOU QUE ELA FOSSE ENGOLIR O OUTRO MOTORISTA. No minuto seguinte, todavia, ela acalmou-se tanto que parecia que tinha tido uma visão e santificara-se bem ali, naquele instante. FOI QUANDO O GATO PERCEBEU QUE NÃO ERA MÁ, ERA BIRUTA e apaixonou-se. Portanto, impulsionado sobretudo pelo amor, o gato, mais cedo ou mais tarde, acabou comendo a língua da doida.
Depois disso, O GATO TORNOU-SE VEGETARIANO e passou a viver com a doida. E A DOIDA, sem qualquer papa na língua, PASSOU A TROCAR AQUELA IDÉIA COM A SUA CAIXOLA, de onde ainda saem muitos, muitos demônios. Mas sabe como é, até os demônios aprendem a se domesticar quando são forçados a viver num trailer.
passado, pelas 21:41
3 Comments:
se tem um gato já é meio doida.
carajo.
excelente.
abs
Como diria O sábio: adocica, meu amor, adocica.
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