7.7.06

Enjoei de cheddar. Enjoei como quem enjoa de um sapato velho, chega uma hora que não dá mais. Ou quem enjoa do cachorro, desapegou-se. O contrário, com brócolis, foi epifania e salvação. Porque o gostar recém descoberto, a novidade que se revela quando retiramos cuidadosamente a membrana, essa é conversão.

E é esse novo ser que fala e ouve buscando reverberação. É como um flerte essa vontade que me bate e, num contra-ataque, apanha forte, domei.

Pelo cheddar, fica óbvio que enjoei de hippies, yuppies e wiccas. Resolvi ficar com o bom e velho casaco de lã grossa, porque faz frio quando deveria ser maiô.

Os meses, esses passam sem nem se mexer. Pisquei, Feliz Natal. Já não ganho presentes no meu aniversário, Natal então é rabanada e cafuné anual, não peça muito, isso, bom menino. Enjoaram-se da criança que eu sou. A culpa não é minha, mas é risível. Prendo a respiração quando não muito e pulo nessa vida que é pequena demais pra ser criança. Me prometeram, certa vez no catecismo, que seriam asas no lugar dos cotovelos. Mas são pedaços do casulo pendurados em um ombro, lado alado.

De atlas e enciclopédias foi mais fácil enjoar - um exercício. Mas os devoro, traça faminta por tudo que não exige, mas pode ser dito, eu não tô fazendo nada, você também.

Tudo - tudo - é exercício. Da contabilidade ao corpo perfeito da Miss Wonderland. Beleza enjoativa. Acho abdômen palavra engraçada. Mas a barriga, essa sim, é séria. Porque tem que fazer a contabilidade para honrar o crachá no tórax. Palavra boa mesmo é bunda.

Só não vomito. Porque enjôo do externo e meu metabolismo é de faquir. Frio na barriga não é enjôo, mas embriona o conceito. Se eu comesse três sanduíches com cheddar, seria feliz, mas soaria falso. Cheddar acena sem gostar, sorriso amarelo.

Manga, abóbora, laranjas, alaranjados, mantas em sofás e pessoas que não arriscam, esses nem me sirvam a vista. Eu e minha tesoura imaginária sonhamos um balão espacial cujo laser aniquila antes mesmo de brotar. Se eu encontrar um meteoro com vulcões, mando meu cometa buscar os amigos, algumas bebidas, atlas, enciclopédias, cachecóis, um pouco mais de ousadia e uma máscara de esgrima, da qual me desfaria quando sentasse à mesa.

Respeito os mandados do bom senso e rodo meus filmes em Paris, olho fechado e baixo orçamento. Hoje eu abri a correspondência e não tinha nada - não que eu esperasse. Comi paçoca e joguei gamão, olho fechado e poucas apostas. Hoje eu arrotei minha elegância e pairei entre o ordinário e o pavão. Hoje eu achei mais fácil. Hoje, exatamente hoje, eu enjoei de cheddar.

passado, pelas 10:49

7 Comments:

At julho 07, 2006 11:34 AM, Anonymous Anônimo disse...

Jogou bonito.

 
At julho 07, 2006 12:03 PM, Blogger Raffab disse...

Muito tempo não via palavras tão formadas.

 
At julho 07, 2006 12:20 PM, Anonymous Anônimo disse...

e esse é um exercício de dor. de doer.

 
At julho 07, 2006 2:52 PM, Anonymous Anônimo disse...

difícil de enjoar.

 
At julho 10, 2006 11:35 AM, Blogger Ilizi disse...

continuo gostando de cheddar, mas deve ser porque quase não como. Evito também abusar de estrogonofe e salpicão, porque se enjoar desses dois, :(


gosto desses textos com cara de pensamentos, uma coisa puxando a outra.


um beijo e um queijo(coalho grelhado, lá do PDS)

 
At setembro 08, 2006 11:29 AM, Blogger leandro disse...

eu podia dizer muita coisa. mas vou dizer que isso aqui me chapou.

 
At setembro 25, 2006 12:45 PM, Anonymous Anônimo disse...

a pála dá um filme. rodado em dois pares anis. baixo orçamento, olho apertado. aperta aí.

 

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