Sapucaí
[reflexões em um domingo de carnaval]
Há quem diga que é o maior espetáculo da terra.
Há quem ache absolutamente ridículo e até coisa de belzebu.
Há alguns anos atrás, como assumida anti-social que sou, passava as noites em casa, assistindo o desfile das escolas de samba na televisão. Às vezes, ia dormir tarde da madrugada esperando a entrada da Estação Primeira de Mangueira, que sempre atraiu minha simpatia - talvez por seu quê de vanguarda ou porque eu simplesmente queria imitar alguém que gostava.
Hoje, zapeando pelas emissoras enquanto tomava um café recém-passado, na esperança de espantar o tédio que ronda Brasília, peguei o final do desfile do Salgueiro. Não entendi nada do enredo, a Globo já tinha passado a legenda típica "para o pessoal de casa cantar e sambar junto". Em compensação, ouvi uma daquelas frases felizes que só os comentaristas globais (sem esquecer dos da Veja, grandes papas da abobrinha) têm o dom de bolar. Era alguma coisa assim:
"O carnaval do Rio é manifestação mais criativa do Brasil."
Vários problemas aí. Primeiro: O Brasil é o Rio (Brasil = Rio). Tudo bem, Rio de Janeiro é mesmo uma cidade linda, cheia de coisas legais e ilegais. Mas por favor, quem não está cansado dessa rasgação-de-seda eterna? Já não bastam as novelas da Zona Sul? O show dos Rolling Stones? A prefeitura da cidade financiando todos os filmes com a temática do carioca way of life?
Me poupe, Salgadinho.
Os quase 170 milhões "restantes" da população brasileira agradecem.
Segundo: "mais criativa"? O cara deve ter problemas de dicção, engoliu a primeira sílaba e saiu outra palavra. No fundo, ele queria dizer "mais lucrativa". Porque cá entre nós, a grana que esse carnaval movimenta é de fazer inveja a qualquer caixa dois. E a gente não precisa ir muito longe para lembrar de manifestações bem mais criativas, carregadas de história, que resistem até hoje e estão sempre sendo ressignificadas, reformuladas. Sem esforço, acabei de me lembrar de três: folia de reis, maracatu e congado. Alguém arrisca outra?
E nem venha me dizer que isso é coisa de antropólogo. Se você acha que é, desculpa - está mais afogado na lavagem cerebral global do que imagina.
Claro que tem o fator do envolvimento da comunidade, do êxtase ao entrar da Sapucaí. Isso tem um enorme valor - valor simbólico se iguala ao das outras manifestações. Sem tirar nem pôr. Talvez tirando um pouco, nos momentos em fazer sua fantasia ou aprender o passo não passa de uma operação automática na máquina carnavalesca. Igualzinho a Tempos Modernos.
"O carnaval é a dominação pela alegria".
Mais ou menos assim é a frase abre-alas do filme "Cronicamente Inviável".
É a idéia mais certa e sumária que já ouvi sobre o carnaval.
Tive ânimo para assistir o Salgueiro chegando na dispersão - não sei se houve atraso e se o recuo da bateria deu certo. Foi o tempo de ouvir uma mulher entrevistando a sorridente Luana Piovani - que falou algumas palavras enquanto continuava sambando. Ainda vi a cena da Luana abrindo os braços e balbuciando o enredo, mas desliguei enquanto ela fazia a viradinha e a câmera dava aquele clássico close na bunda dela.
Paixão nacional, sabe como é.
[reflexões em um domingo de carnaval]
Há quem diga que é o maior espetáculo da terra.
Há quem ache absolutamente ridículo e até coisa de belzebu.
Há alguns anos atrás, como assumida anti-social que sou, passava as noites em casa, assistindo o desfile das escolas de samba na televisão. Às vezes, ia dormir tarde da madrugada esperando a entrada da Estação Primeira de Mangueira, que sempre atraiu minha simpatia - talvez por seu quê de vanguarda ou porque eu simplesmente queria imitar alguém que gostava.
Hoje, zapeando pelas emissoras enquanto tomava um café recém-passado, na esperança de espantar o tédio que ronda Brasília, peguei o final do desfile do Salgueiro. Não entendi nada do enredo, a Globo já tinha passado a legenda típica "para o pessoal de casa cantar e sambar junto". Em compensação, ouvi uma daquelas frases felizes que só os comentaristas globais (sem esquecer dos da Veja, grandes papas da abobrinha) têm o dom de bolar. Era alguma coisa assim:
"O carnaval do Rio é manifestação mais criativa do Brasil."
Vários problemas aí. Primeiro: O Brasil é o Rio (Brasil = Rio). Tudo bem, Rio de Janeiro é mesmo uma cidade linda, cheia de coisas legais e ilegais. Mas por favor, quem não está cansado dessa rasgação-de-seda eterna? Já não bastam as novelas da Zona Sul? O show dos Rolling Stones? A prefeitura da cidade financiando todos os filmes com a temática do carioca way of life?
Me poupe, Salgadinho.
Os quase 170 milhões "restantes" da população brasileira agradecem.
Segundo: "mais criativa"? O cara deve ter problemas de dicção, engoliu a primeira sílaba e saiu outra palavra. No fundo, ele queria dizer "mais lucrativa". Porque cá entre nós, a grana que esse carnaval movimenta é de fazer inveja a qualquer caixa dois. E a gente não precisa ir muito longe para lembrar de manifestações bem mais criativas, carregadas de história, que resistem até hoje e estão sempre sendo ressignificadas, reformuladas. Sem esforço, acabei de me lembrar de três: folia de reis, maracatu e congado. Alguém arrisca outra?
E nem venha me dizer que isso é coisa de antropólogo. Se você acha que é, desculpa - está mais afogado na lavagem cerebral global do que imagina.
Claro que tem o fator do envolvimento da comunidade, do êxtase ao entrar da Sapucaí. Isso tem um enorme valor - valor simbólico se iguala ao das outras manifestações. Sem tirar nem pôr. Talvez tirando um pouco, nos momentos em fazer sua fantasia ou aprender o passo não passa de uma operação automática na máquina carnavalesca. Igualzinho a Tempos Modernos.
"O carnaval é a dominação pela alegria".
Mais ou menos assim é a frase abre-alas do filme "Cronicamente Inviável".
É a idéia mais certa e sumária que já ouvi sobre o carnaval.
Tive ânimo para assistir o Salgueiro chegando na dispersão - não sei se houve atraso e se o recuo da bateria deu certo. Foi o tempo de ouvir uma mulher entrevistando a sorridente Luana Piovani - que falou algumas palavras enquanto continuava sambando. Ainda vi a cena da Luana abrindo os braços e balbuciando o enredo, mas desliguei enquanto ela fazia a viradinha e a câmera dava aquele clássico close na bunda dela.
Paixão nacional, sabe como é.
"Êta Globarbarização", já diria o Tom Zé.
passado, pelas 14:11
9 Comments:
Perfeito!
Apesar de não me agüentar com uma cuíca. O carnaval é, sim, superestimado. E o carioca way of life já encheu o saco.
E pra mostrar minha concordância, engrosso o coro (favor não confundirem com "couro"): "Me poupe, salgadinho."
Melhor coisa do carnaval é desligar a televisão
é isso mesmo.
texto plus bom =)
urubeijos
Simsimsalabim.
"Me poupe, salgadinho" já nasceu clássica. Ah, e o Carnaval é a coisa mais chata do Brasil. É um porre ainda maior que a política. Mas não dá pra dispensar 4 dias de folga, né?
eu quero postar PORRA
já tô com DOIS textos
AMARGA
Tá, agora li o texto. Very good, Carô Lina. Nada como converter o tédio carnavalesco em humor universal. Eu não sou carioca, mas me curto, rs. Se bem que o Rolling Stones, bem que podia ter rolado na esplanada né?
... pois é carol... impressionante como o principal feriado do país mais marcante do mundo... digo mais marcante sem nenhum nacionalismo, apenas pelo fato... pelos fatos de não se poder definir nada desse país, não se define a sua cultura, as suas terras, o seu povo, nada, a única coisa q se define é q o carnaval é o principal feriado, a marca do povo brasileiro, talvez até mais q o futebol (no mundo, claro)... e a verdade do carnaval é essa, com certeza a maioria da população bebendo uma cerva na frente da TV pois não encontrou nada melhor pra fazer... e não vai dormir pois amanhã não tem que trabalhar... isso a maioria... uma minoria junta boa parte do seu salário, endivida até os olhos e diz q teve o ano ganho devido ao lugar que passou o carnaval ou no trio elétrico q correu atrás... é a vida... e esse "é a vida" não significa o comum conformismo nessa expressão, muito pelo contrário, é a vida, é a política , é a cultu... não, não é cultura, não chega nem aos pés, é a massificação de todas as classes, desde a que tem condições de dividir camarotes com globais a aqueles que esquecem o frango e o fogão e compram aquela tvsinha... coitado... coitados... de todos nós... bom, aposto q o nosso foi um pouco melhor... all things must pass.
Bjo moça
isso me deu uma idéia.... a tam poderia fazer o prefácio... usando trechos disso aqui.... que acham?
Postar um comentário
<< Home