6.10.05

Jantar de despedida (ou A vingança é um prato...)

Anotava frases de filmes para usá-las quando lhes faltasse as próprias. Enrolou o vestido com esmero, a última demonstração de afeto. Tomou um banho demorado antes que ele chegasse. Fez unhas, comida e cara de cansada, várias vezes, não nessa ordem. Meditou, premeditou. Abriu a gaveta de costura e pegou a tesoura. Ainda faltava um pouco até que ele entrasse pela porta e admirasse a mesa do jantar com a mesma cara falsamente pasma como se visse um javali com uma maçã na boca. Seria apenas macarrão, mais uma vez? Não. Quinze minutos mais de reflexão no quarto foram suficientes para decidir: não se tratava de uma atitude baldia. Pegou o vestido de noiva que não usaria, desenrolou-o sem cuidado, deixando cair algumas pérolas (recolheu-as) e foi para a cozinha. Por que casar agora, depois de tanto tempo morando juntos? Picava os pedaços num estranho bem-me-quer-mal-me-quer, ora tomada de uma fúria extravagante, ora fria. Colocou água na panela e ligou o fogo para ferver. Jogou as tiras do vestido e da anágua e as pérolas no caldeirão - foi preciso trocar de recipiente. Reservou as miçangas e os pequenos paetês (polvilharia por cima?). A massa fedorenta que se formou, serviu-a em uma travessa de porcelana do enxoval. Foi até o quarto mais uma vez e, sem querer, chorou. E viu que era bom. O que se seguiu foi, para ela, de completa anestesia. Às vinte e duas e trinta, como de costume nas últimas semanas, o noivo chegou.
- Boa noite. Meu deus, que cheiro é esse?
- Boa noite, o jantar está pronto.
- O que você fez?
- Onde você estava?
- Eu já te disse, esse mês eu tenho que trabalhar até mais tarde por causa da queda de faturamento da empresa, eu sei que é ruim, mas é...
- "Eu não te amo mais. Desde agora. Agorinha".
Era mentira, mas a frase era boa. Não o amava mais havia semanas. Foi para o quarto pegar a mala já pronta, enquanto ele procurou algo para tirar o cheiro do jantar e o de perfume barato que ainda restava no paletó.

passado, pelas 14:20

9 Comments:

At outubro 06, 2005 7:16 PM, Anonymous Anônimo disse...

Que fodona ela.

 
At outubro 06, 2005 10:17 PM, Anonymous Anônimo disse...

no lugar dos cigarros o perfume barato

seria melhor leite de rosas

pra arrancar as pétalas num bem|mal-me-quer eterno

sabe?

vc pode ser meu marigo, não vou fritar tuas gravatas

beijo meu

 
At outubro 07, 2005 9:38 AM, Anonymous Anônimo disse...

O assunto é clássico, mas o caminho foi legal de ver. Muito bom.

 
At outubro 07, 2005 7:52 PM, Anonymous Anônimo disse...

- "Eu não te amo mais. Desde agora. Agorinha".
acho que eu sei de onde vem essa frase..

 
At outubro 08, 2005 5:50 PM, Anonymous Anônimo disse...

Você roubou a frase que eu roubei da natalie! Não te amo mais. Desde agora. Agorinha. Saio esvoaçante! Tchun!

 
At outubro 08, 2005 8:15 PM, Anonymous Anônimo disse...

yo, bom demais. Vcs só me dão orgulho...

 
At outubro 10, 2005 3:57 PM, Anonymous Anônimo disse...

Marquito, esta mulher é ótima. Não consigo tirar da cabeça a loucura dela, chego a ver seus olhos vidrados qdo cortava o vestido. Adoro gente (ou figuras) insanas...
Parabéns amigo!

 
At outubro 23, 2005 1:13 AM, Anonymous Anônimo disse...

Final de semana estranho, não? Quis comentar no seu post Marcus (não voltei, eu acho). Precisamos atualizar isto, precisamos atualizar tanta coisa.
Mais amarga do que de costume...

 
At novembro 29, 2005 5:57 PM, Anonymous Anônimo disse...

É um devorar às avessas. Apaixonável, essa insana. Nasceu pra isso: o não- amor mais amoroso do mundo. Alisson

 

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