22.9.05

Os Dramáticos

A diferença entre um calango e um camelo.

Doze horas depois, finalmente, sentou-se à beira da cama. Embora tivesse dormido por tanto tempo, não estava descansada. Pelo contrário, era como se tivesse movimentado-se freneticamente este tempo todo. Seu corpo estava moído. E ensopado. Se quer tinha a desculpa de uma boa noite de boêmia para as doze horas pregada à cama.
Porque esteve pregada à cama, como uma crucificada. Abrira os olhos algumas vezes e esboçara erguer-se, pelo menos para beber água, sem sucesso.
Sabia que havia sonhado, não sabia o quê ao certo. Alguns quadros, rostos e algumas vozes estalavam na sua cabeça, sem qualquer conexão e sentido, como no filme de David Lynch.
Conseguiu ficar de pé, mas não recuperou o chão. A falta de sentido estendia-se para o mundo real, o mundo concreto. Não havia sentido na casa, na disposição dos móveis, nas cores das paredes. Pensou em mudar as coisas de lugar. Não havia espaço para mudar nada. Tudo tinha de ficar onde sempre esteve.
Deu-se conta de que ela própria sempre esteve no mesmo lugar.
Pensou em fumar um cigarro. Em seguida, lembrou-se dos dentes amarelos, da rouquidão, do cheiro nas roupas, no cabelo e do câncer.
Deu-se conta de que o cigarro matava estúpida e lentamente. Um suicídio sem qualquer heroísmo. Preferiria subir o morro para entrevistar traficantes, ser correspondente de guerra, pular de bungee jump. No mínimo, pular da varanda do apartamento.
Pensou em ligar para um amigo. Não teria saco para esperar na linha, marcar alguma coisa para daqui a não sei quantas horas ou não sei quantos dias. Os amigos eram adultos.
Deu-se conta de que ainda era uma criança.
Pensou em tomar um banho. Considerando o desejo de lavar a alma, precisaria de uma hora. Lembrou-se do Efeito Estufa, do Oriente Médio, da conta de água. Nem um banho estava isento de traumas.
Fitou a tevê. Não, definitivamente ela não traria consolo. Antes, estaria aceitando a sua sorte e entregando-se às trevas.
Vendeu-a. Encheu o tanque do carro. Seguiu para o litoral. Viajaria mil quilômetros para estar mil quilômetros mais distante deste setembro neste cerrado. Morreria na praia. Debaixo do sol, escutando as ondas, rodeada de água abundante e gratuita. Se era o começo ou o fim, não importava. Seria-o sob o luxo de 80% de umidade do ar.

passado, pelas 16:37

9 Comments:

At setembro 22, 2005 8:46 PM, Anonymous Anônimo disse...

A diferença é que o camelo leva consigo o que precisa pra viver, é um mochileiro, pelos termos correntes e um pouco batidos. Enfim, como tudo que fica batido perde o significado, mochileiro pode não ser um bom exemplo. Enfim... O calango é um conformista, um adaptado, ou um vencedor, dependendo do ponto de vista.

Pra quem sente que o ar do cerrado não basta, pra quem sente que falta oxigênio, fica a minha sugestão: não espere o período das chuvas para ir embora. Tudo parece mais calmo e suportável com a chuva, mas você vai ser eternamente um desses que se satisfaz em viver apenas metade do seu ano.

 
At setembro 23, 2005 5:08 AM, Anonymous Anônimo disse...

E não é que logo hoje choveu.

 
At setembro 23, 2005 9:54 AM, Anonymous Anônimo disse...

chouveu não, caiu um bom toró!

seu texto ficou uma brasa, mora.

beijo meu

 
At setembro 23, 2005 5:14 PM, Anonymous Anônimo disse...

vai chover, amor, na madrugada vai chover.

outra história bem contada que me faz te odiar.

 
At setembro 23, 2005 8:57 PM, Anonymous Anônimo disse...

Sério! Até os céus conspiram para a minha desmoralização!
Dramaticamente,
Jú.
E o "testin" do pai da Carol?
Por favor, postemos ontem.

 
At setembro 26, 2005 5:29 PM, Anonymous Anônimo disse...

é amiga, cutucou...

amei o blog! muito bom!!

beijosss
Tati

 
At setembro 27, 2005 10:55 PM, Anonymous Anônimo disse...

oi mongol( vc disse q eu podia te chamar assim, lembra?) (e eu disse q vc podia me chamar do q quiser, foi mais ou menos esse o trato) realmente 80% de humidade é um luxo. mas nem só de mar é feito um litoral, veja a paraíba por exemplo... puta lugar legal, mas vai morar lá pra tu ver. aliás por algum cálculo insano concluí q aqui é como lá, só q pelo avesso. mas não é nada disso q quero dizer. o q quero dizer é q tu mandou muito bem.

 
At maio 01, 2008 4:08 PM, Blogger passado disse...

gente, cade o coê?

 
At maio 01, 2008 4:09 PM, Blogger passado disse...

ah, pode virar um conto, mas nem vai pro expresso 333. tem outro de mesma temática - visões no cerrado - que prefiro...

 

Postar um comentário

<< Home

Powered by Blogger