Um bom motivo para festejar
Era uma verdade tão saborosa que ela mal podia acreditar. Alguma coisa ou todas juntas às quais recorreu havia funcionado. Não saberia à quem agradecer, mas estava grata. Profundamente grata.
O fato era que a sua madrasta, ou melhor, sua "péssimadrasta" saíra de casa. Finalmente, ela e suas máquinas (de bronzeamento, de pães, de qualquer coisa) desapareceram de sua frente.
O episódio era mágico, embora não tenha acontecido da noite para o dia.
Civilizada, a enteada procurou auxílio primeiramente junto a uma psicóloga. Freudiana, por sinal. Perguntou-lhe se já havia sonhado com a mulher casada com seu pai.
- Eles não estão mais casados.
- Você me disse que moram, os três, juntos.
- E são três os quartos da casa.
- Hum.
- Se já sonhei? Sonho com freqüência. Quer que lhe conte o último?
- Por favor.
- Eu chegava em casa e notava, de imediato, o silêncio e o cheiro de comida. O cheiro era mesmo notável, sugeria um banquete. Entrava na sala e via uma mesa colorida de muitos tipos de comida. Dois pratos, todavia, destacavam-se pela falta de cor. Sob cada um havia uma cabeça humana: a de minha madrasta e a de meu pai.
Naturalmente, não houve uma segunda visita à psicóloga. Daí por diante, tentou de tudo um pouco. Novena, prece, promessa, passe, mantra, meditação.
O desespero era tal que, algumas vezes, via-se obrigada a adotar o código de guerra. Espremia os amigos da madrasta para que soltassem os podres da mulher, com álcool se preciso. Em seguida contava ao pai e não perdia uma oportunidade para atirar indiretas na madrasta. Aumentava a temperatura do fogão quando ela punha um pão lá. Comia as coisas mais caras que ela comprava. Não dava recados.
Enfim, a enteada já havia perdido as estribeiras e as esperanças quando o pai chegou com a notícia de que se separariam, de verdade. Avisou que viajaria, para evitar maior constrangimento.
"Típico", pensou a filha. O pai era um poço de covardia. "Aceitou por tanto tempo essa situação ridícula". Depois, caiu em si. Aleluia! Precisava dar uma festa. A festa do despacho.
A festa, claro, foi muito boa. Na porta, uma coroa de alho. A varanda virou um altar, com direito a imagens, cachaça, galinha de cerâmica, tapetes, velas e fumos. Sobre a mesa havia um bolo especial. Na tv, filmes temáticos. De Cinderela a Os Outros. A música ambiente também era temática, variando de "Staying alive" a "Free your mind and your ass will folow".
Pelos quatro cantos da casa, um punhado generoso de sal grosso.
P.S (pós-senso):
"Existem bandidos e mocinhos? Quem sempre diga a verdade, quem nunca minta? Bons e maus governos? Não, existem apenas governos ruins e outros ainda piores".
C. Bukowski
passado, pelas 18:29
13 Comments:
a propósito, faltou um acento no "pessi-má-drasta"
Mas eu perdôo:
"Gosto de um modo carinhoso do inacabado(...)"
C.lispector
brincadeira, eu adorei.
Porra Marcus, era ps (pós-senso). O que é os pós-senso? Ai, que raiva...
Também fiquei sem saber. Não revisa o texto, dá nisso.
Marcus
me mandem os links, pessoal. pra eu pôr ali do lado. vocês querem que eu coloque? porque eu posso colocar, os primeiros, pelo menos.
eu ia fazer algum comentário pertinente, mas esqueci. só consigo me lembrar do bolo sobre a mesa. sequelas.
obrigado.
Thiagomuzzi
Não sei bem o motivo, mas me identifico tanto com a história.
Obrigada, Ju.
Rafuleira (vulgo Rafa Céo)
Massa demais, adorei a "pessimadrasta", expressão sabia cunhada por vc? de qualquer forma...
ainda tô devendo...
Vitor
Este blog está jogado às traças. Assim não dá....
Zzzz...
Cri, cri, cri...
"Cri cri cri" foi ótimo e "Pós-senso" é a modernidade.
Você cortou direitinho hein.
Não sei também o motivo, mas acho que já vi essa cena. Passo o bolo. Só faltou a gata caindo pela varanda do sexto andar..... hahahaaaaaaa (risada maligna) Ponto
Você escreve bem, manja de narrativa... E isso aqui parece meio autobiográfico... Um abraço. Adriano Facioli. http://inquilinosdoalem.blogspot.com
não vai pro expresso 333, mas dá a idéia de uma personagem...
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