22.11.07

isso aí


isso aí menina
dá nada não
isso aí menina
é só o cisco do olho do furacão

isso aí menina
dá nada não
parece tempestade mas é chuva de verão

isso aí menina
dá nada não
é amargo mas é bom pra saúde
é só um buraco, não seu ataúde

isso aí menina
dá nada não
é um porre
mas não é cirrose

isso aí menina
dá nada não
que você pode ser de carbono
mas não é de vidro
e quando falta contorno
sobra sempre um pouco de instinto

isso aí menina
dá nada não
é dor de cabeça
mas não é enxaqueca

isso aí menina dá nada não
busque o seu coração
e risque o que for convenção

isso aí menina dá nada não
tudo vale a pena quando é experimentação
tudo vira lenha quando é sem precisão

passado, pelas 01:42 3 comentários

12.11.07

Cronologia


17 anos.
"A arte é uma forma de expressão da realidade." É? Não há consenso sobre... Havia muitos fatos, entre eles aquela tristeza refletida nos olhos do irmão e nos seus próprios, quando vistos no espelho.


19 anos.
A Gal cantava Calcanhoto, sobre aquelas cores tão ímpares. Nas cartas transcritas no livro, ia encontrando par; assim seria ainda por muitos livros. Encher os pulmões de ar fazia doer o esterno e causava tonturas, tanto quanto inspirar tão suavemente a ponto de quase nada entrar, brincando de se preencher de vazio e, quem sabe, parar.

21 anos.
Num-sei-quantos zil furos por segundo, cheiro de sangue fresco, cores, cores e outra dor, muito própria, legítima, autêntica. Num dia de finados, ferindo-se se certificava de estar viva e ser si mesma. Além disso, outro ganho: enfim, aos poucos, a madrugada.


23 anos.
Várias convergências depois, cai no olho do furacão e é atravessada por um outro reflexo. De repente, um ar de alegria, um imenso encanto, um bem querer tão espontâneo que quase sacia. Surpreendida, se perde. Na bifurcação, racionaliza. E sai na contramão.

25 anos.
Faz-de-conta que encontra, a conta-gotas se engana. Ri, cuida, arruma, responde, pisa elegante, com segurança. A maré é de satisfação, até que a chuva de realidade faz desbotar a medíocre pintura. Invadida de medo, cuida logo de secar, pede o roteiro de volta, reescreve a rotina e se lança.


27 anos.
Sozinha no quarto, poeira, papéis, sambas e desenhos. Vai, volta, infinitas vezes, em infindáveis saudades. Avalia que a estratégia foi boa, agora sim pode saborear verdadeiramente os venenos. Assumindo a cínica, a mundana, a libertina, guerreia cantando baixinho, acordando no susto, trabalhando num impulso, se aninhando em notas, tons, harmonias e poesias, até a cortina baixar.

passado, pelas 12:42 1 comentários

11.11.07

Duas mãos de tinta


Duas mãos de tinta
e na mão de baixo tinha
as matérias escândalosas de minha privacidade,
as montagens de minhas idéias mais ou menos
assombrosas ou teimosas,
os rastros de minha poesia nervosa.

Duas mãos de tinta
e a de baixo, com tinta e veneno
pintou de vermelho a abstração de uma intenção
muito forte, a visão de um norte, o enigma de
ir e vir por cima e pela sorte,
o muco por dentro do aparelho.

Duas mãos de tinta
e a de baixo causou o cisma,
perdendo os fiéis pra de cima.
Que o diabo não provoca quem anda de cara limpa.

Por outro lado,
os anéis não rolam do dedo em riba.

Duas mãos de tinta
porque mais vale duas caras
que duas camisinhas,
porque mais vale algumas pinceladas
que expôr as partes íntimas.

Duas mãos de tinta
Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo
mas estou cheio de escravos

Tenho apenas duas mãos e a vertigem do mundo
e o inquietamento da mão fechada
mas estou cheio de gemer mudo
pelo truco das cartas marcadas
de um baralho desbotado.

Tenho duas mãos de tinta
a de baixo tem lepra
e a de cima tem parkinson,
a de baixo venera
e a de cima pondera,
a de baixo tira e a de cima dá o tom.








passado, pelas 22:15 1 comentários

9.11.07

acho que vai chover

uma nuvem com uma cara muito brava
cobriu o sol hoje,
frustrando meus planos.

eu nem tinha tantos planos,
mas com tanta nuvem de cara boa por aí,
me cobre o sol logo uma azeda, toda cheia de si,
ameaçando cair na minha cabeça.
achei petulância.

eu, ciente de mim,
troquei planos frustrados por
novos planos.
sigo planejando.

passado, pelas 04:19 2 comentários

4.11.07

Águas de novembro.

Ela sentou-se em frente à tela como quem
senta embaixo da forca ou como quem tem
uma faca à goela.
Escreveria dez páginas ou estaria liquidada,
iria à bancarrota.
E nesses esquálidos dias do ano,
não seria sábio liquidar-se ou
liquefazer-se:
ela precisava ser sólida como nunca,
precisava ser uma rocha
(ainda que estivesse um tanto brocha).
Esse puta inferno lunar, pensava. Sol em capricórnio
não poderia ter, mas a lua lá estava, era certo e óbvio.
E em novembro, ela estava sempre cheia.
Cheia de tudo, cheia de caroços no seu angu
e mofo na sua aveia.
Ainda que dez páginas estivessem vazias.
Por causa destas zicas que não saem da cabeça.
Por causa da cabeça que teima pisar em falso.
Por causa da angústia inevitável dos últimos atos.
Por causa do ar saturado de luxúria e da frente fria
de incertezas.
Em consequências das calças já meio apertadas
e da alma ainda meio incauta.
Mas o que mata, não enlata-se. Em novembro,
ela teria que cheirar algumas neuroses antes de
jogá-las no lixo e teria que
pegar algumas viroses antes de adquirir antídotos
e suprimir contratempos.
Só que em dezembro, ela poderia,
com muito contento, empanturrar-se com o pirão
de sua mãe e, a partir daí
animar-se pra sair da contramão.
Para arriscar outras vias.
E pra cuidar das folhas que não foram aspiradas pelo vento.





passado, pelas 22:06 3 comentários

Links

Arquivo

Powered by Blogger